Friday, March 14, 2008

Os homens...

AS MATERNIDADES NÃO DEVIAM CHEIRAR A ÉTER
João Miguel Tavares
jornalista
jmtavares@dn.pt

O Guilherme nasceu há dez dias no Hospital de Santa Maria. É o meu terceiro filho. Graças a ele, fiquei a fazer parte de uma elite cada vez mais elitista: só uma em 20 famílias portuguesas tem três filhos ou mais. Portanto, a partir de agora, podem esperar textos sobre os escalões de IRS para famílias numerosas (uma infâmia), a escassez do Estado no ensino pré-escolar (uma vergonha) e a ausência de apoios à maternidade (um escândalo). Sabem como é: cada um queixa-se onde lhe dói. Mas, no caldo político e social em que estamos mergulhados, a falta de atenção em relação às famílias é realmente extraordinária. E começa no dia um - o dia em que os nossos filhos nascem.Não me interpretem mal. As maternidades de Lisboa estão cheias de médicos que sabem o que estão a fazer, o parto correu muito bem, o bebé nasceu fresquíssimo e dois dias depois a minha mulher já estava em casa. Só que toda a competência técnica revela, ao mesmo tempo, uma enorme escassez do factor H - aquele pingo de humanidade que faz a diferença entre o parto ser um obstáculo a ultrapassar ou uma experiência a recordar. Em Portugal, é um obstáculo. Uma operação cirúrgica assim como se fosse uma apendicite. Aliás, desconfio que a única coisa que neste país distingue uma maternidade de um hospital é não se enviar para incineração aquilo que se extrai da barriga.Juro que não sou picuinhas. Quando se chega ao terceiro filho já se exibem orgulhosamente as feridas de guerra. Mas continuo sem perceber porque é que os pais são tratados como um empecilho que é preciso aturar: assinam papéis para aceitarem ser escorraçados da sala de partos mesmo quando não chegam a entrar nela (não podem assistir às cesarianas); têm de ameaçar imolar-se à porta de entrada só para saberem se a mulher que desapareceu há duas horas já levou a epidural; são informados do nascimento via fax (a sério) uma hora depois de o bebé ter efectivamente nascido; só podem ir ter com a mãe e com o filho à enfermaria a partir da uma da tarde e são tratados como qualquer visita; enxotam-nos para fora do quarto sempre que uma enfermeira entra para medir a tensão, mudar o soro ou enfiar mais uma cama; e nem sequer ao refeitório têm autorização de acompanhar a mulher, com medo, sabe-se lá, que acabem a roubar a sopa das outras parturientes. Tudo isto é um absurdo em pleno século XXI. Quando por toda a Europa se procura transformar o parto num acto íntimo e familiar, por cá as crianças continuam a nascer imersas em éter e num profissionalismo frio como a lâmina de um bisturi. O País não é grande coisa, é certo, mas ao menos podia receber os seus filhos com alguma alegria.
Este artigo de opinião foi editado no Jornal de Notícias de 11.Março.2008, e sabem o que me maravilha nele? Foi escrito por um homem! Esses mavilhosos homens!
Não sei como dizer isto, mas o que é facto é que me tenho cruzado com muitos homens que gostavam de ter mais direitos na gravidez e parto. Conheço muitos homens ansiosos por serem pais.
Nesta minha descoberta da humanização do parto tenho, para surpresa minha, ouvido opiniões deliciosas de amigos que me dizem:"Eu sempre acreditei nessas coisas que me estás a dizer, mas...se eu tentava falar com alguém diziam-me logo, dizes isso porque não és mulher e podes falar porque não és tu que vais parir!!!" E eu acredito que eles ouçam muitas vezes este argumento.
Já lá dizia a outra "os homens são de marte, e as mulheres de júpiter", e não se pode generalizar, mas eu gostava de acreditar que já lá vai o tempo em que os homens fugiam a sete pés da paternidade, e que cada vez mais os filhotes são filhos do casal.

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